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CAMPO & CIDADE

Lava-pés - Onévio Zabot

  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

Quinta-feira Santa, cerimônia do lava-pés, eis algo instigante. "Não há força que resista a uma ideia cujo tempo chegou", palavras de Victor Hugo, autor de "Os Miseráveis".
Cristo percebendo que a sua hora havia chegado reúne os discípulos, e celebra a última ceia. Padre Armando - jovem sacerdote não
sem uma ponta de luz - Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro -, pondera: - "Numa tacada só Cristo instituiu os dois pilares fundamentais da Igreja: 1) as ordens religiosas, e a 2) eucaristia. Até então nunca se viu algo tão notável. O budismo, próximo ao Cristianismo e até predecessor em alguns aspectos, trilhou outras searas. Dos 12 apóstolos, afora judas que segundo Raul Seixas cumpriu seu papel, pois, ao entregar Jesus, antecipa o desfecho pascal, os demais seguiram as pegadas do mestre até o fim. E, exceto João, todos foram martirizados.

Mortes doloridas. Contundentes. Pedro em Roma, coração do Império Romano. Jamais, no entanto, negaram as palavras de Jesus. Jamais vacilaram na fé. Ao contrário, difundiram sua mensagem aos quatro ventos. Impressionante a força do Nazareno.
E lá no começo de tudo, Jesus rejeita o apelo dos zelotes - grupo judaico armado -, que ousava enfrentar Roma. Queriam-no no comando, daí as divergências de Judas Iscariotes, suposto traidor. Provocado, Cristo, no entanto, não vacila: - "Daí o Cesar o que é de Cesar". Seu reino não seria deste mundo. Esgrima com outras armas, o mestre. Antevê a destruição de Jerusalém, e a nova diáspora judaica. Mas, por incrível que pareça, três séculos depois, Constantino, imperador Romano, o acolhe triunfalmente no coração do reino. Algo inimaginável. Nos tempos modernos, talvez Gandhi, por outros caminhos, alcance tal notoriedade ao preconizar a desobediência civil como arma de emancipação dos povos.

Certamente, este fenômeno é algo perturbador na história da humanidade. Sem espada e sem clava, Cristo traça um novo rumo. Alarga horizontes. E Paulo que nem apóstolo fora, une a força do judaísmo à nova mensagem. A boa nova - evangelho em outras palavras. A nova páscoa: não mais aquela do êxodo do Egito, mas passagem. Ressureição.Não aquela do sacrifício do cordeiro, do pão de ázimo e ervas amargas, mas aquela do corpo e do sangue de Cristo. Pão e vinho, gesto simbólico.

Ousado Jesus, porém, cirúrgico. Basta de sacrificar animais ao Pai. Entrega-se Ele mesmo, novo cordeiro do mundo. E, cá entre nós, há que se enaltecer o papel judaísmo na propagação do cristianismo. Embora as divergências, os conflitos, as Sinagogas acolheram os apóstolos e outros pregadores. Paulo notabilizou-se, pois possuía formação judaica. Rabino, certamente. Espalhadas pelo oriente
próximo eram púlpito seguro para o chamado "Deus desconhecido".

O cristianismo, embora divergências internas, quer queiramos ou não, prega também a inclusão social. E aí reside o nó górdio de conflitos intermináveis. As atratividades e as mazelas do mundo material não raras vezes antagonizando-se ao mundo espiritual, impulsionam conflitos invitáveis. Há quem os negue, mas há quem os instigue, mesmo dentro da Igreja. A teologia da liberação conseguiu acolher até o marxismo, doutrina oposta, pois nega existência Deus e considera a religião o "ópio do povo".

Mas como nada é impossível no reino dos homens, a igreja, embora as turbulências, segue adiante. E o padre Achylles Rubin já dizia: - A questão fundamental é a misericórdia divina que acolhe a todos. E a todos perdoa. E segundo São Paulo, a fé salva, mas o amor é fundamental. É a chave. O amor tudo pode.

Por fim, evocando Victor Hugo: certo médico, embora ateu, foi surpreendido na Igreja. De joelhos assistia à Santa Missa. Instado pelos
colegas incrédulos abre o coração:
- Venho agradecer ao vendedor de frutas que pagou meus estudos. Adotou-me quando em dificuldades. Hoje, graças a ele, sou médico. Ele sempre rezava por mim aqui. E, embora ateu, cá estou pra agradecê-lo.

Ser Cristão é muito disso: servir ao próximo. É amar de forma desprendida, como Cristo o fez de forma simbólica na cerimônia do Lava-Pés. Vestiu-se de escravo para servir. Senhora ousadia.

Servir com amor e desprendimento é algo notável, e, sem dúvida, a missão mais nobre do cristianismo. Daí a mensagem de Cristo, calar fundo.
Aliviando por fim: como diria meu amigo Franklin: - "Humildade e caldo de galinha não faz mal a ninguém".

Joinville, 15 de abril, 2022


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